quinta-feira, 4 de abril de 2013

'La Belle et La Bête', a fábula que virou obra-prima no cinema de Jean Cocteau.

Desde muito pequena eu devorava livros. Não lembro exatamente quando comecei a me apaixonar por eles, mas lembro de sempre tê-los visto em casa. Além disso, meus pais nunca me negaram um livro. Muito pelo contrário. Esse, aliás, é um dos inúmeros motivos pelos quais agradeço diariamente aos céus pelos pais que tenho. No hall dos dormitórios de casa havia uma estante repleta de livros ao alcance de minhas mãozinhas, e os livros infantis naturalmente ficavam nas prateleiras mais baixas. Não raro, eu acordava no meio da noite e saía tateando em direção à estante. Então escolhia um livrinho e ficava ali um tempão, folheando-o, vendo as imagens ou, após ser alfabetizada, lendo as histórias. Isso durava uma eternidade até minha mãe perceber, abrir a porta do quarto e me colocar novamente na cama com um beijo de 'boa noite'.

Essa lembrança está entre as melhores de minha infância. Se hoje possuo um mínimo de inventividade e imaginação, não duvido que isso se deva, entre outros fatores, às centenas de "viagens" literárias que empreendi desde criança. Eu tinha, ou melhor, guardo até hoje com o maior carinho, uma coleção de livros grandes, de capa dura com belas ilustrações, que contêm dezenas de contos de fadas dos mais diversos países – cada livro dedicado a um país. Provavelmente, li pela primeira vez a fábula 'A Bela e a Fera' num deles, no volume que diz 'Os mais belos contos de fadas franceses', já que essa fábula foi escrita por uma francesa nos idos do século XVIII.

A 'Belle' (Josette Day) e a Fera (Jean Marais) no filme de Jean Cocteau.

Recentemente, tive a alegria de reencontrar essa belíssima fábula no cinema, quando La Belle et la Bête (1946, 35mm, 96'), obra-prima do genial multiartista Jean Cocteau (1889-1963), foi exibida na Cinemateca como parte da programação do Festival de Cinema da Francofonia, realizada pela Aliança Francesa.

La Belle et la Bête retrata um mercador empobrecido que tem três filhas e precisa partir numa viagem de negócios. Ao perguntar às filhas se desejam algum presente, duas delas, más e gananciosas, pedem que o pai leve joias e vestidos. A terceira filha, Belle (Josette Day - 1914-1978), simples e de alma bondosa, pede-lhe apenas uma rosa. O mercador parte então em viagem, perde-se na floresta e depara-se com um misterioso castelo. Ao arrancar do jardim do castelo uma rosa para levar a Belle, é surpreendido pela Fera, que ameaça matá-lo por roubar suas rosas - a menos que o mercador lhe dê, em troca, uma de suas filhas.

Belle (Josette Day) serve o pai e as irmãs megeras na modesta casa paterna.

Avenant (Jean Marais) era um jovem que cortejava Belle.

Belle se dispõe a fazer o sacrifício de ir ao castelo no lugar do pai. Apesar de inicialmente se assustar com a aparência aterradora da Fera, meio homem e meio monstro, pouco a pouco vai percebendo que por trás de toda a sua feiura existem lampejos de humanidade.

Belle chega ao castelo onde a Fera mora, lúgubre e assustador.

A Fera, por sua vez, se encanta com a beleza e a bondade da jovem, tornando-a senhora do castelo e cobrindo-a de joias e trajes dignos de uma princesa. Tudo isso acontece em meio a uma atmosfera fantasmagórica carregada de mistério e magia, enfatizada por uma belíssima fotografia em preto e branco.

Belle é instalada no castelo com toda a pompa e conforto.

Belle, vestida como uma verdadeira princesa com as roupas e joias presenteadas pela Fera. 

Belle consegue permissão da Fera para visitar o pai, falido e doente, sob a promessa de retornar em uma semana. Ao aparecer na casa paterna ricamente vestida e coberta de joias, desperta a inveja das irmãs e a cobiça de Avenant, o jovem enamorado que frequenta a casa da família. Os três, com a ajuda de outro aldeão, planejam matar a Fera e roubar seus tesouros. As irmãs roubam a chave dos tesouros que a Fera havia confiado a Belle e os dois homens partem para o castelo. Avenant consegue abrir o local do tesouro com a chave, mas, quando estava prestes a entrar, uma estátua guardiã da deusa Diana adquire vida e o mata com uma flechada. Nesse momento, o encanto se desfaz e a Fera se transforma num belo príncipe que... tem o rosto de Avenant. Sim, a Fera, Avenant e o príncipe foram interpretados pelo mesmo ator, o lendário galã Jean Marais (1913-1998), amante de Jean Cocteau. Marais estava perfeito nos três papéis, bem como Josette Day no papel de Belle.

O encanto se desfez, e o príncipe ficou com a princesa...

Dotado de uma beleza plástica impressionante, o filme é pura poesia. A cenografia é apuradíssima. Os figurinos são maravilhosos. Os efeitos especiais de magia convencem e seduzem – o que é louvável, se considerarmos as dificuldades e as limitações técnicas da época. Não, naquele tempo não existia computador, apenas talento, pura e simplesmente!

Se eu já era fã de Jean Cocteau e sentia grande curiosidade e fascínio em relação a Jean Marais, depois desse filme minha admiração por ambos não apenas aumentou, como também se estendeu à atriz Josette Day e a todos os envolvidos na criação da película – veja alguns abaixo. Ao final do filme, estava plenamente convicta de ter testemunhado a exibição de uma grande obra-prima. Se você gosta de cinema e tiver a oportunidade de assistir a La Belle et la Bête, não perca. Mergulhar naquele mundo de mistério e fantasia é, sem dúvida, uma experiência estética inesquecível. 

Ficha técnica parcial:

Direção: Jean Cocteau, René Clément
Elenco: Jean Marais, Josette Day, Mila Parély, Nane Germon
Roteiro: Jean Cocteau
Fotografia: Henri Alekan
Figurinos: Christian Bérard
Trilha sonora: Georges Auric

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