segunda-feira, 31 de março de 2014

Os Volpis do MAC. Uma pequena amostra da sensibilidade versátil do mestre.

Quando falamos em artistas como Monet ou Renoir, imediatamente os associamos ao Impressionismo, evidentemente. E quando pensamos em Portinari, no caso do Brasil, no ato pensamos no Modernismo. O fato é que alguns artistas são imediatamente associados a uma única escola ou estilo por terem produzido, ao longo da vida, obras que estivessem, em sua maior parte, vinculadas a ele.

Já quando falamos de Alfredo Volpi (1896-1988), no entanto, não podemos fazer o mesmo. Embora a maioria das pessoas evoque de imediato as famosas "bandeirinhas" estilizadas do mestre, a verdade é que Volpi foi um artista plural. Ao longo da vida, trabalhou da forma que mais lhe convinha, transitando do figurativo para o abstrato e deixando-se levar pelos instintos e pelo coração, sem se preocupar em agradar este ou aquele ou se enquadrar em determinada escola. Volpi era Volpi, e pronto. Esse aspecto fica patente na exposição 'Os Volpis do MAC', que, embora exiba apenas 18 obras do artista pinçadas de seu acervo, é suficiente para mostrar seu imenso talento e versatilidade.

A produção inicial de Volpi, na década de 20, era figurativa, com destaque para os retratos e paisagens. Devido a sua grande sensibilidade para a luz e sutileza no uso das cores, o artista chegou a ser comparado aos impressionistas. Outras obras dessa época, no entanto, evocam composições do romantismo. Em meados dos anos 1930, Volpi se aproxima do Grupo Santa Helena. Em 1937, conhece o pintor Ernesto de Fiori, recém-chegado da Itália, e começa a considerar, cada vez mais, a possibilidade de que os elementos plásticos de uma pintura pudessem ser mais importantes que seu tema e sua narrativa. Em 1939, Volpi inicia a série de marinhas e paisagens realizadas em Itanhaém, litoral de São Paulo. É dessa época, também, as paisagens de Mogi das Cruzes que vemos a seguir.

'Mogi das Cruzes' (1939) - óleo s/ tela - foto: MAC USP

'Mogi das Cruzes' (1940) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

No início da década de 40, Volpi se encanta com a arte colonial, passando a trabalhar com temas populares e religiosos. Ao mesmo tempo, sua obra passa por uma rigorosa simplificação formal, adquirindo traços mais simples e menos elementos. A têmpera passa a ser mais utilizada na passagem da década de 40 para 50, conferindo à sua pintura uma textura menos densa e mais fluidez.

'Reunião à Mesa' (1943) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

'São Francisco' (1945) - óleo s/ tela - foto: MAC USP

'Casas de Itanhaém' (1948) - têmpera s/ tela - foto: MAC USP

A partir da década de 1950, as composições do mestre caminham mais e mais para a abstração. Passam por um processo de depuração, tornando-se mais esquemáticas e abstratas. As obras que mostram fachadas e casarios ganham a companhia das pinturas das famosas e festivas bandeirinhas de festa junina. Porém, embora tenha mantido contato com artistas concretistas e tenha sido inclusive convidado a participar, em 1956 e 1957, das Exposições Nacionais de Arte Concreta, Volpi não se prendeu ao rigor formal do movimento.

'Casas na Praia' (1952) - têmpera s/ tela - foto: MAC USP

'Fachada' (1955) - têmpera s/ tela - foto: Simone Catto

Ao analisarmos toda a produção ao longo da vida do artista, podemos dizer que o ritmo de Volpi é atemporal e que sua arte nunca deu "saltos", isto é: embora extremamente diversificada, sua produção sofreu transformações de forma gradativa que surgiram de seu diálogo com a pintura, com incorporações graduais. Citando o crítico Lorenzo Mammi, "o modernismo de Volpi é um modernismo da memória, afetivo e artesanal, de marcha lenta e voz mansa". Volpi queria apenas criar, e a única coisa que se manteve inalterada foi a excepcional qualidade de sua produção.

Veja esse depoimento do artista em 1957:

"A questão é que sempre pintei as minhas pinturas que ‘saem’, nunca fui atrás de corrente alguma. Os concretistas me convidaram, fui expor com eles... mas nunca pensei em seguir alguém ou qualquer corrente (...) Sempre pintei o que senti, a minha pintura aos poucos foi se transformando, começa com a natureza, depois aos poucos vai saindo fora, às vezes continua, eu nunca penso no que estou fazendo. Penso só no problema da linha, da forma, da cor. Nada mais... Meus quadros têm uma construção, o problema é só de pintura, não representam nada. Isso vem aos poucos, é uma coisa lenta, é um problema, toda a vida foi assim."

'Bandeirinhas' (1958) - têmpera s/ tela - foto: MAC USP
O mais incrível é que, apesar de toda a diversidade de sua obra, Volpi saiu apenas uma vez do Brasil, e por um breve período, quando visitou a Itália na década de 50. Podemos afirmar, portanto, que suas referências saíram majoritariamente de sua sensibilidade e percepção do mundo que o circundava – fosse em São Paulo, em Mogi das Cruzes, em Itanhaém ou onde estivesse.

Não dá para não citar, também, sua maestria no manejo das cores, independentemente da época de sua vida. O que ocorre é que, com a progressão de sua obra, suas pinceladas adquirem tonalidades cada vez mais vibrantes e contrastantes.

A atualidade da obra de Volpi está, também, em sua inesgotável capacidade de se "rearranjar" constantemente. A partir de uma forma, por exemplo, ele descobria outras novas para utilizar na pintura seguinte, em um desdobramento perpétuo. O mesmo podemos dizer de sua exploração da cor. Volpi usava a cor para construir um espaço e muitas vezes pintava o mesmo assunto apenas intercambiando as cores, gerando uma obra totalmente diferente da anterior. O que era cor em uma pintura virava vazio em outra com o mesmo tema, e assim por diante. Segundo Aracy Amaral, Volpi era "moderno sem correr atrás de moda". 

Embora a exposição do MAC USP apresente uma pequena amostra do mestre, os trabalhos de VOLPI são sempre um deleite para os sentidos. Vá lá! O MAC USP está na Av. Pedro Álvares Cabral, 1301 – Ibirapuera. Tel.: 5573-9932 - www.mac.usp.br. Abre às terças-feiras das 10h às 21h, e de quarta a domingo das 10h às 18h. Entrada franca.

Veja, também, outras resenhas de exposições do MAC USP:

-Quem tem medo do MAC USP?

-'O agora, o antes: uma síntese do acervo do MAC USP'... e a pergunta que não quer calar.

-'Classicismo, Realismo, Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras'. Um tesouro a descobrir.

Quem tem medo do MAC USP?

Fazia pouco mais de um ano que eu havia visitado a nova sede do Museu de Arte Contemporânea da USP, no Ibirapuera, instalada no prédio onde antes era o Detran. Na ocasião, lamentei, em um post deste blog, a demora do museu em transferir seu imenso acervo para o novo prédio, já que apenas o térreo e o mezanino estavam funcionando. Comentei, também, sobre a ausência de um estacionamento e de um café para os visitantes, já que um museu daquele porte merecia no mínimo uma cafeteria, a exemplo do que vemos em museus do primeiro mundo. 

Felizmente, em uma nova visita no fim de semana, minha impressão foi bem diferente. Fiquei muito contente em verificar que os oito andares da construção destinados a exposições já estão ocupados por mostras de alto nível e que o museu oferece estacionamento aos visitantes. Só notei duas ausências: 1) do café para aquela pausa necessária entre uma exposição e outra e... 2) de gente. Sim, contavam-se nos dedos os visitantes do museu! Não dá para entender como um espaço tão gigantesco e com um acervo tão importante possa atrair tão pouca gente num fim de semana. Será por falta de divulgação? Falta de cultura da população? Ou as duas coisas juntas? Quando visitamos museus de arte moderna em Paris, Londres ou Nova York, por exemplo, invariavelmente nos depararmos com filas e salões lotados, de forma que por vezes nem conseguimos apreciar as obras direito. Ao passo que numa megalópole como São Paulo vemos um museu da envergadura do MAC com os salões vazios... triste, triste!

Seja como for, não tive dúvidas: tomei o elevador até o oitavo andar e, lentamente, fui descendo as escadas para visitar as exposições que me interessavam, uma a uma. Vi pelo menos umas quatro, mas neste post, especificamente, vou falar de duas: 'O artista como autor/o artista como editor' e 'Para Além do Ponto e da Linha: Arte Moderna e Contemporânea no Acervo do MAC USP'. Escolhi essas duas exposições para abordar em primeiro lugar porque notei que elas têm dois pontos em comum: ambas têm curadoria de Tadeu Chiarelli, diretor do museu, e em ambas ele procura estabelecer uma dialética entre as obras expostas, em uma tentativa de confrontar diferentes princípios para a criação.

Na exposição 'O Artista como Autor/o Artista como Editor', no sexto andar, Chiarelli contrapõe, de um lado, obras que poderíamos chamar de "autorais", isto é, de artistas que reivindicam uma autoria única sobre elas "por meio de gestos e estruturas formais que ratifiquem sua individualidade". Neste caso, estariam inseridas obras de Max Ernst, Miró, Iberê Camargo e Léger, entre outras presentes no recorte da exposição.

Max Ernst - 'Quadro para Jovens' (1943) - óleo s/ tela

Joan Miró - 'Personagem atirando pedro num pássaro' (1926) - guache s/ papelão

Iberê Camargo - 'Expansão' (1964) - óleo s/ tela

Fernand Léger - 'Composição' (1936) - guache s/ papel

De outro lado, encontram-se obras de artistas que atuariam mais como editores de formas e imagens pré-existentes, ressignificando seu sentido original, seja pela escolha arbitrária de uma ou outra imagem, seja pela articulação de várias outras imagens. Aqui se enquadrariam obras de Nelson Leirner, Waltércio Caldas, Robert Rauschenberg e Alfredo Nicolaiewsky, entre outras.

No entanto, devo dizer que considero um pouco temerária essa polarização, porque, em determinados casos, é difícil definirmos até que ponto um artista nos apresenta uma linguagem absolutamente autoral e particular, ou utilizou, em sua obra, elementos pré-existentes que adquiriram nova significação em sua criação. O que ocorre é que, em alguns casos, essa "ressignificação" encontra-se evidente, não deixando margem a dúvidas. É o caso das duas obras abaixo: a primeira, de Nelson Leirner, tomou emprestada uma pintura que evoca uma construção renascentista italiana. E na outra, Alfredo Nicolaiewsky claramente se apropriou de fragmentos de Mondrian e, ao que parece, também de Auguste Rodin, só para citar os mais evidentes.

Nelson Leirner - 'Pintura I' (1964) - tinta automotiva s/ papel
   
Alfredo Nicolaiewsky - 'Este é mais cerebral' (1995/6) - técnica mista

Porém, em uma obra como a de Karel Appel, a seguir, classificada pelo curador como uma obra de "artista/autor" e não de "artista/editor", quem garante que o artista não tenha tomado signos alheios para "editá-los" e contextualizá-los de uma outra forma em sua obra? Não dá para saber. Seja como for, o que importa é que a exposição nos apresenta obras de alto nível, e esse exercício de tentar identificar o que seria obra de "autor" ou de "editor" é no mínimo uma brincadeira interessante.

Karel Appel - 'Cabeça Trágica' (1957) - óleo s/ tela

Uma forma diversa de dicotomia foi apresentada na outra exposição com curadoria de Tadeu Chiarelli, 'Para Além do Ponto e da Linha: Arte Moderna e Contemporânea no Acervo do MAC USP', esta no terceiro andar. Composta de obras diversificadas de artistas modernos e contemporâneos, brasileiros e internacionais, a exposição pretende mostrar as estratégias mais diversas pelas quais os artistas "desenvolveram ou desenvolvem trabalhos em que o foco é a ativação do plano bidimensional", segundo as palavras do curador.

Explicando melhor: a ideia, aqui, é apresentar obras que "ativam o plano" com os elementos mínimos ditos tradicionais, como o ponto, a linha, a cor e a luz, em oposição a obras que contestam esses limites, extrapolando as fronteiras do plano e "invadindo o espaço", por assim dizer.

No primeiro caso, se enquadrariam obras de Wassily Kandinsky e de Fernando Lindote, por exemplo.

Wassily Kandinsky - 'Composição Clara' (1942) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Fernando Lidote - 'Brasília' (2013') - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Na outra ponta, estariam obras como as de Sérgio Romagnolo e João Louzeiro, que vão "além do ponto e da linha" e questionam os limites do plano.

Sérgio Romagnolo - 'Sem título' (1991) - plástico modelado - foto: Simone Catto

'Zootécnico', de João Louzeiro, é uma obra tridimensional constituída por cinco esculturas que se estruturam a partir de planos sobrepostos, formando animais. As crianças, particularmente, adoram!

João Louzeiro - 'Zootécnico' (elefante, rinoceronte, burro, logo e rato) (2009) - espuma
Foto: Simone Catto

Ao refletir a respeito dessa segunda exposição, portanto, cheguei à conclusão de que na prática, ela teria condições de abrigar quaisquer obras modernas e contemporâneas, já que todas se enquadram em qualquer das duas vertentes confrontadas. Visite o MAC USP e diga se não concorda comigo!

O endereço do MAC USP é Av. Pedro Álvares Cabral, 1301. Tel.: 5573-9932 - www.mac.usp.br. Abre às terças-feiras das 10h às 21h, e de quarta a domingo das 10h às 18h. Entrada franca. Passe por lá!

domingo, 16 de março de 2014

Riviera Bar. Ícone etílico de Sampa resgatado com respeito e estilo.

Anos atrás, sempre que passava pelo final da Avenida Paulista, pertinho da Consolação, eu prestava atenção no formato interessante daquele bar antigo e decadente, todo feito de tijolos de vidro e cercado por uma muretinha de concreto vazado. A placa, acanhada, dizia 'Riviera Bar'. Então eu pensava que aquele bar, naquele ponto tão privilegiado de Sampa, em seus dias de glória devia ter sido um lugar supermoderno que "bombava" de gente. Curiosa, fui perguntar ao São Google. Descobri que o prédio que abriga o estabelecimento, o Edifício Anchieta, foi fundado em 1941, é residencial e considerado um dos grandes ícones do modernismo paulistano. O bar, no térreo, foi fundado em 1949 e infelizmente despejado em 2006, porque desde 1996 o proprietário não conseguia quitar as dívidas. Também, pudera! Com os impostos acachapantes deste país, qualquer empresário precisa fazer mágica para sobreviver.

Foto da Internet - sem créditos.


O interno do bar - foto da Internet (sem créditos).

A ideia inicial do Riviera era reunir senhoras chiques, mas essa vocação high society logo caiu por terra: na década de 50, o bar começou a atrair professores universitários, políticos e esportistas. Nos anos 60 e 70, auge da ditadura, virou ponto de encontro do pessoal de esquerda. Artistas, músicos, ‘culturetes’ (quando esse termo ainda nem existia...) e figurinhas carimbadas da boêmia paulistana discutiam ideias, namoravam e ferviam por ali, normalmente vários degraus etílicos acima do aceitável. Pelas mesas do Riviera circularam nomes como Chico Buarque, Elis Regina, Toquinho, Cláudio Tozzi, Zé do Caixão, os meninos do Dzi Croquetes e os cartunistas Laerte, Chico e Paulo Caruso, entre outros frequentadores da night. Consta que a personagem Rê-Bordosa, de Angeli, foi inspirada não em uma, mas em várias habituées do local.

Eu nunca havia entrado lá. Quando comecei a frequentar bares, o lugar já estava decadente. Portanto, qual não foi minha alegria ao descobrir que o lendário bar seria reaberto por obra e graça da dobradinha Facundo Guerra e Alex Atala, duas referências de qualidade e profissionalismo em entretenimento e gastronomia? Criador de várias casas noturnas bem-sucedidas, Facundo Guerra, imaginei, não iria dar ponto sem nó. A primeira prova disso foi a parceria com Atala, um dos chefs mais festejados do país e agora do mundo, para recriar o cardápio do bar. No mínimo, teríamos comidinhas de qualidade. Dito e feito.

O novo luminoso de néon - foto: Simone Catto

Estive lá em uma terça-feira porque, desde a reabertura, no segundo semestre do ano passado, a casa tem lotado, sobretudo de quarta a sábado, quando há jazz ao vivo – uma novidade de Facundo Guerra. Embora eu não tenha conhecido o bar em seus tempos áureos, parece-me que o projeto arquitetônico atual, de autoria de Márcio Kogan, preservou e restaurou os principais elementos originais, como as famosas paredes de vidro que visualizamos do lado de fora e a escada que conduz ao mezanino. Eu soube, contudo, que a casa reabriu com o dobro do tamanho da original. A única coisa que estranhei foi o andar térreo que, no velho Riviera, era ocupado por mesas e atualmente está todo tomado por um grande balcão vermelho em formato de ameba, nos mesmos moldes do 'Bar Balcão', na Rua Melo Alves. OK, ficou bonito, é cool e facilita a aproximação das pessoas, mas confesso que fiquei levemente decepcionada ao não encontrar as famosas mesinhas. Enfim, é outra proposta.

O salão onde antes havia mesinhas - foto:  Felipe Gombossy/Época SP

E aqui, vista parcial do balcão e as famosas escadas que conduzem ao piso superior - foto: Simone Catto

O andar de cima é um espaço superagradável e charmoso à meia-luz. Ocupei uma deliciosa mesa encostada na parede de vidro, com vista para o finalzinho da Avenida Paulista. Tudo de bom.

O aconchegante andar superior em foto do Facebook do Riviera.

E aqui uma foto um tanto 'meia-boca' tirada do celular, já que eu estava sem câmera - foto: Simone Catto.

A vista de minha mesa: finalzinho da Av. Paulista - foto: Simone Catto

O menu é grande e variado, com petiscos, sanduíches, pratos e coquetéis preparados com maestria. Como ninguém estava morrendo de fome, fomos de petiscos. Para iniciar, pedimos a porção de bolinhos de arroz. Saborosíssimos, com a crocância certa e um leve toque de queijo, aqueles bolinhos estavam entre os melhores que já comi na vida! O único senão é que a porção vem com apenas seis unidades. Poderia ser mais bem servida, uma vez que o preço passa dos R$ 20,00. Para acompanhar, tomei uma margarita que estava no ponto certo.

Os bolinhos de arroz são uma delícia, mas a porção é um tanto minguadinha - foto: Simone Catto

Uma amiga pediu o Royal (R$ 31), um clássico repaginado do Riviera. Trata-se de um sanduíche montado no pão de forma e recheado com queijo, rosbife, tomate e picles de pepino. É bem grande e dá para dividir tranquilamente.

Entre um gole e outro, conversa vai, conversa vem, os bolinhos de arroz acabaram rapidinho - como já seria de se esperar. Aí pedimos uma porção de mandioca frita, bem mais generosa. Pode parecer exagero, mas até uma porção prosaica como essa pode (e deve!) ser preparada com primor. Pois esse clássico dos barzinhos paulistanos tornou-se um show de sabor lá no Riviera. A textura das mandiocas estava uma coisa de louco de tão boa. Ao mesmo tempo em que eram crocantes, elas desmanchavam na boca de tão macias. Coisa de alquimista de cozinha!

A porção de mandiocas era mais generosa e estava entre as melhores que já comi - foto: Simone Catto

Como naquele dia eu estava com vontade de doce, pedi a Torta Riviera, uma torre composta de massa de crepe com chantili em camadas e laranjas em calda. Uma coisa leve que deixa na boca um gosto de céu. Maravilha dos deuses!

A foto saiu péssima, mas garanto que a saborosíssima Torta Riviera
deixou minhas endorfinas bem felizes! - Foto: Simone Catto

Detalhe IM-POR-TAN-TÍS-SI-MO que faz a diferença: o Riviera abre de domingo a domingo às 12h e sempre fecha depois da meia-noite. Ou seja: é um daqueles refúgios que não deixam nenhum faminto na mão, com forte vocação para se tornar um clássico do calibre de casas como Mestiço, Ritz e Spot, porém com preços mais acessíveis.

Até breve, Riviera! - Foto: Simone Catto

Em tempo: peço desculpas pelas fotos sofríveis, é que precisei tirá-las do celular. Mas pelo menos dá para ter uma ideia do ambiente e da dimensão dos pratos. 

O RIVIERA está na Av. Paulista, 2584 – tel.: 3231-3705 - www.rivierabar.com.br. Abre todos os dias a partir do meio-dia e, de quarta a sábado, tem jazz ao vivo à noite. Já entrou para minha lista de preferidos!

sexta-feira, 14 de março de 2014

Caçadores de obras-primas. Um filme que ficou só na intenção.

Foi a sinopse do Guia da Folha que me atraiu ao cinema para assistir a Os Caçadores de Obras-Primas: "Na Segunda Guerra Mundial, um grupo assumiu a função de resgatar grandes obras de arte que foram roubadas pelos nazistas e devolvê-las ao seu lugar original". A simples menção a obras de arte, aliada ao fascínio pela época em que o filme se passa e à expectativa de emoção em um enredo inteligente de suspense, foram suficientes para atrair minha atenção. Em suma: eu esperava uma elegante e bem costurada trama "à inglesa". No entanto, deparei-me com um filme de ação com roteiro fraco, personagens inconsistentes, um exacerbado nacionalismo americano e um acentuado sabor de chuchu. E olhe que não foi por falta de elenco: lá estão pesos pesados como George Clooney, também diretor e corroteirista, Matt Damon, Cate Blanchett, Bill Murray e o francês Jean Dujardin, protagonista do premiado 'O Artista', entre outros.

Parte da trupe em ação - da dir. para a esq.: Bill Murray, Dimitri Leonidas, George Clooney e Bob Baladan.

O filme é baseado em fatos reais narrados por Robert M. Edsel, um escritor que abordou, em mais de uma obra, episódios sobre os tesouros pilhados pelos nazistas em cidades europeias durante II Guerra Mundial. A intenção de Adolf Hitler era criar um "Museu do Führer", além de decorar, com as obras de arte, as salas dos oficiais da SS. Foi assim que obras de mestres como Michelangelo, Monet, Renoir, Cézanne e Rodin, entre outras preciosidades, foram sumariamente usurpadas. Quando a guerra já estava chegando ao final, os norte-americanos formaram uma equipe de especialistas para encontrá-las, batizada como 'Caçadores de obras-primas'. Entre eles estavam historiadores de arte, curadores e diretores de museus, que se juntaram aos oficiais na missão. No filme, esse "esquadrão da arte" é composto por Strokes (Clooney), Granger (Damon), Campbell (Murray) e Jean-Claude (Dujardin), entre outros. Cate Blanchett interpreta Claire, uma diretora de arte francesa que colabora com o grupo.

Cate Blanchett em bela caracterização, porém subaproveitada.

O fato é que a turma não parece se levar muito a sério e, no intervalo entre o recebimento da missão e o encontro, por seus integrantes, de milhares de obras escondidas em minas de cobre e sal, nada de emocionante acontece. Os diálogos são sem-graça. As cenas de ação são medianas. Não há conflitos. Não há clímax. E o mais irritante: os Estados Unidos são sempre tratados como a pátria de Deus ou o salvador de todas as pátrias. Enfim, trata-se de um filme que não está à altura do elenco e muito menos das obras-primas que aborda. Uma pena, porque o assunto é fascinante e poderia ter sido bem explorado com uma bela trama de suspense, mistério e diálogos inteligentes. Valeu apenas pelos atores. E só.

George Clooney e Matt Damon.

A título de curiosidade, Nick Clooney, pai de George, interpreta Strokes mais velho, na cena final.

Em tempo: muitas das obras roubadas pelos nazistas reapareceram, anos ou décadas depois, em museus europeus e coleções particulares. Após investigações dos herdeiros, algumas estão sendo restituídas às famílias de direito, a maioria de origem judaica. Justo!

Ficha técnica parcial

Direção: George Clooney

Elenco: George Clooney, Matt Damon, Cate Blanchett, Bill Murray, John Goodman, Jean Dujardin, Bob Balaban e Dimitri Leonidas, entre outros.

terça-feira, 11 de março de 2014

Um brinde a Baco! Curso sobre Países com Alexandra Corvo é puro deleite.

Vinho é cultura, é tradição, é prazer. E no caso do Velho Mundo, é também história, já que está intimamente incorporado aos hábitos de determinados povos e teve um papel fundamental na formação da identidade de vários países. É por isso que, quando inventei de estudar um pouco sobre as origens e peculiaridades dessa bebida dos deuses, não me contentei e fui procurar saber ainda mais. E lá fui eu fazer outro curso na mesma escola que havia escolhido para minha iniciação: a 'Ciclo das Vinhas', da jovem e excelente sommelière Alexandra Corvo. Para quem não a conhece, Alexandra tem formação na Suíça e na Espanha, trabalhou em vários países europeus e, atualmente, além de ministrar cursos na escola que tem a sua marca, é colunista de vinhos da Folha de S. Paulo e da rádio BandNews FM.

Desta vez, fiz o Curso Básico sobre Países, que aborda as principais uvas, regiões, métodos de produção e viticultura dos países produtores de vinho. Nesse curso aprendemos a interpretar um rótulo de vinho, entendemos as denominações de origem e um pouco da legislação de cada país, sem falar da melhor parte: a degustação de cinco rótulos de vinhos por aula e sua harmonização com queijos típicos de cada país. Se saborear um bom vinho já é uma experiência deliciosa por si só, eu garanto que a sensação de prazer fica ainda maior quando conseguimos entender por que um vinho nos agrada ou não.


Vamos lá. O curso tem 4 aulas noturnas no total, de três horas cada, e é ministrado regularmente na escola. A primeira aula, como não poderia deixar de ser, fala sobre os vinhos da França, onde tudo começou, a grande 'mãe' de todas as vinícolas do mundo. Alexandra discorre sobre as duas principais regiões viticultoras do país, Bourgogne e Bordeaux, além do Vale do Loire, o Rhône, Beaujolais e Alsácia. Aqui já são abordadas as principais uvas internacionais: Sauvignon Blanc, Chardonnay, Riesling, Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah.

Dos vinhos degustados na aula sobre a França, dois tintos se destacaram para mim: o Côtes du Ventoux Grandes Serres 2011, do Sul do Rhône, e o Chateau Bujeau la Grave 10, de Bordeaux. O primeiro lembra groselha, tem um tanino mais grosso e mais extrato. Adorei! E o melhor: esse vinho tem um custo bem razoável. Sim, vinho bom não precisa ser necessariamente caro. O segundo vinho é beeem mais complexo. O paladar lembra madeira, serragem, tem bastante tanino, boa acidez, mas precisa decantar um pouco. Um excelente Bordeaux!

Vinícola na região de Bordeaux - foto: Wikimedia Commons
Respeitando uma hierarquia por ordem de importância geográfica, a segunda aula é dedicada à Itália. Os sistemas DOC e DOCG são explicados, bem como as especificidades das regiões do Piemonte, Toscana, Veneto, Umbria, Abruzzo e o Sul da bota. Aqui aprendemos sobre as principais uvas italianas, tais como Sangiovese, Nebbiolo, Barolo, Dolcetto, Prosecco e outras uvas autóctones da Itália.

Nessa aula degustei o delicioso Montepulciano d'Abbruzzo DOP Cantina Tollo 2009, um vinho "de menino", por assim dizer: encorpado, denso, com um paladar que lembra caldo de carne, músculo, óleo diesel. Tem muito tanino, muito sabor, final longo... eis um vinho de personalidade, amei! Detalhe: ele combinou maravilhosamente bem com queijo gorgonzola e seu preço é ótimo. Destaco também o Mandrarossa Costadune Sicilia IGT Nero d'Avola 2011, que tem um caráter totalmente diverso do anterior: trata-se de um vinho levinho, até infantil, que lembra geleia de morango. Gostosinho para ser saboreado sem compromisso num dia de verão!

Foto: www.basilico.uol.com.br
Já a terceira aula aborda a Península Ibérica: é a vez da Espanha e de Portugal, com suas regiões e suas uvas. Tempranillo, Garnacha e Macabeo, na Espanha, e Touriga Nacional, Alvarinho e Aragonês, em Portugal, são algumas das variedades estudadas. Nessa aula aprendemos sobre denominações de origem portuguesa conhecidas por aqui, como Douro, Dão, Alentejo e Vinho Verde. Em tempo: ao contrário do que muita gente pensa, o 'Vinho Verde' não se refere a um tipo de uva, mas sim à região onde ele é produzido. Na realidade, trata-se de um vinho proveniente 'da região do Vinho Verde'. O vinho que mais me agradou nessa aula foi o único branco degustado: o Ribeiro Santo DOC branco 2011, floral, refrescante e com final longo. Delícia!

E por fim, a última aula abordou os vinhos do Novo Mundo. Essa aula foi ministrada pela experiente sommelière Ana Paula Montesso, formada na escola de Alexandra. Aqui entraram vários países que desenvolveram a viticultura em épocas ulteriores: Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos (região da Califórnia), África do Sul, Chile e Brasil. Curiosamente, desta vez nenhum dos vinhos degustados me marcou de maneira especial. Suspeito que isso tenha acontecido porque meu paladar já estava habituado aos sabores mais típicos e elaborados do Velho Mundo, vai saber! O último vinho degustado nessa aula, no entanto, conseguiu desagradar a todos os alunos, lembrando que a degustação nos cursos é sempre às cegas para que ninguém fique sugestionado. E adivinhe a procedência do vinho rejeitado? BRASIL! Sim, o Brasil tem produzido bons espumantes, mas ainda deixa a desejar na produção de tintos e brancos. Questões de clima, solo, topografia, cultura, enfim... o fato é que não dá para reproduzir em terras tupiniquins as condições dos terroirs franceses. Daqui, melhor ficarmos com as cachaças! Quanto aos vinhos, prefiro continuar experimentando bons rótulos estrangeiros e anotar aqueles que mais me agradam.

A agradável livraria e biblioteca da escola - foto: www.alexandracorvo.wordpress.com

Para quem deseja aprender um pouco sobre vinhos, portanto, a escola Ciclo das Vinhas é um bom começo. Dica: se você for completamente leigo no assunto, antes de fazer o Curso Básico sobre Países, recomendo fazer primeiro o Curso Básico em 3 Aulas, para aprender as primeiras noções. E na sequência você faz o outro. A escola está instalada em um sobrado extremamente agradável no bairro do Paraíso e ainda conta com uma livraria e biblioteca especializada. Vive le vin! Santé!

Anote aí: o endereço da escola CICLO DAS VINHAS é Rua Maria Figueiredo, 305 – Paraíso. Tel.: 3284-3626 - www.alexandracorvo.com.br

quinta-feira, 6 de março de 2014

'O jardim secreto', uma pequena joia de sabor e bom gosto.

Em uma cidade tão grande e absolutamente bipolar, é um alento (e até uma necessidade, eu diria!) descobrir que ainda existem pequenas ilhas de tranquilidade nas quais a gente possa se refugiar de vez em quando para fazer uma refeição de qualidade na santa paz de um ambiente acolhedor. É o caso de um bistrozinho que acabo de ter o prazer de conhecer: 'O Jardim Secreto', especializado em comida brasileira gourmet.

A primeira impressão já é ótima! - Foto: Simone Catto

Instalado em um sobradinho no bairro de Perdizes, o restaurante deve passar batido para muita gente que circula pelo local. Eu mesma não me lembro de ter ouvido falar nele, só cheguei lá porque uma amiga conhecia pessoas que haviam recomendado. O lugar é uma graça. Tem três ambientes pequeninos - um terraço à frente, um salão interno e o espaço mais cobiçado, o tal "jardim secreto", que fica nos fundos e dá nome à casa. Tudo tem o aspecto de cuidado e capricho nos detalhes. No dia de minha visita, o salão interno exibia obras do simpático artista plástico soteropolitano Ronald Lago, que se destaca por uma produção colorida e lúdica.

Foto: Simone Catto

Assim como os demais ambientes, o jardim dos fundos tem poucas mesas e, quem não fizer reserva, corre o risco de ficar sem. Estive lá para almoçar em um fim de semana e, por sorte, consegui pegar a última mesa disponível nesse que é o espaço mais agradável e disputado da casa. Por menor que seja o ambiente, é sempre uma delícia fazer uma refeição num quintal, em meio a árvores, plantas e, é claro, boa companhia.

O jardim "secreto": fofo, minúsculo e um deleite! - Foto: Simone Catto

Esse amigo também ciscava por lá! (rs) - Foto: Simone Catto

É óbvio que tudo isso se perderia se a experiência gastronômica não tivesse sido boa. Minha intuição dizia que eu iria saborear algum prato delicioso, e não me enganei! Pedi o Escondidinho de Camarão (purê de batata doce recheado com camarão e siri), que estava um desbunde de bom! Extremamente bem feito, o prato tem um recheio generoso, com abundância de camarões, e o purê, macio, estava no ponto certo. Um regalo dos deuses que saboreei lambendo os beiços!!!

Logo que sentamos, chegou essa simpática vasilha de pipoquinhas. Sumiram num minuto.
Foto: Simone Catto

O Escondidinho de Camarão, para se comer de joelhos! (R$ 38,70) - Foto: Simone Catto

O outro pedido da mesa foi o Gnocchi de Mandioquinha com molho Ragu (gnocchi de mandioquinha com molho ragu de ossobuco de angus). Também experimentei e achei muito bom, mas não trocaria meu escondidinho por nada! (rs) Quanto às bebidas, bem... como já tínhamos um vinho programado para aquela noite, preferimos ficar só nos sucos naturais.

O Gnocchi de Mandioquinha com Molho Ragu também fez bonito - Foto: Simone Catto

Detalhe interessante: todas as sextas-feiras, a partir das 20h30, a casa tem jazz ao vivo. Pode ser uma boa pedida, mas é bom reservar! Vale dizer, também, que os preços dos pratos são sensivelmente inferiores aos cobrados por outros restôs de bom gosto, o que também conta pontos a favor. Dois pratos bem servidos, dois sucos, dois cafés e mais a taxa de serviço saíram por razoáveis R$ 105,00. Se você quiser dar uma conferida no cardápio, ele está disponível no site: www.ojardimsecreto.com.

Está aí um lugar ao qual eu volto tranquilamente! É perfeito para quem gosta de comer bem sem muvuca, em um ambiente delicado e diferenciado. O 'JARDIM SECRETO' fica na Rua Caraíbas, 389 – Perdizes. Tel.: 2384-1871 - www.ojardimsecreto.com. Merece sua visita!