domingo, 27 de setembro de 2015

Pousada Telhado de Ouro, em Campos do Jordão: gentileza e conforto com toque feminino.

Embora minha paixão por Gonçalves, na Serra da Mantiqueira, não seja nenhuma novidade, também gosto muito de Campos do Jordão, desde que seja fora de temporada e longe das multidões  dos feriados.

Em minha mais recente viagem à cidade, no final de agosto, procurei uma pousada que ficasse bem no coração de Capivari, para não precisar pegar o carro à noite para chegar aos principais restaurantes e bares, como o Baden Baden, a Mercearia Campos e outros que ficam lá perto, ao longo da Av. Macedo Soares.

Após uma pesquisa na Internet, encontrei a Pousada Telhado de Ouro, bem no centro de Capivari. Graciosa e extremamente bem localizada, ela é muito bem cuidada nos mínimos detalhes, mostrando um capricho tipicamente feminino. Logo imaginei que havia "mão de mulher" por ali, e não deu outra: quem cuida da decoração, das amenities e outros mimos simpáticos é uma das proprietárias, auxiliada pela gentil e prestativa Carla, a gerente recém-chegada de uma temporada de mais de uma década em Londres. Toda a equipe, aliás, mostrou-se muito atenciosa e competente.

O aspecto exterior da pousada já transmite o clima de aconchego - Foto: Simone Catto

Vista parcial do salão do café da manhã. Ao fundo, à esquerda, a coleção de DVDs que fica ao lado da recepção à disposição dos hóspedes - Foto: Simone Catto

O gazebo, amplamente iluminado por luz natural e extremamente repousante, é um excelente cantinho para leitura!

O delicioso gazebo - Foto: Simone Catto

Cantinho aconchegante do gazebo... basta um livro e mais nada! - Foto: Simone Catto

A pousada é nova, foi inaugurada há cerca de nove anos e tem mais de 25 suítes muito confortáveis e decoradas com bom gosto. Todas têm cama no mínimo queen size, calefação, frigobar, TV com DVD e banheiro com secador de cabelo e piso de mármore aquecido, o que faz toda a diferença em uma cidade com clima frio de serra. Conforme Carla nos relatou, todos os anos o estabelecimento passa por uma reforma ou manutenção, para que suas instalações permaneçam sempre impecáveis.

A suíte onde fiquei é extremamente acolhedora e aconchegante. Ao entrarmos, após o check-in, encontramos um pequeno
mimo, um chocolatinho nos travesseiros - Foto: Simone Catto
  
Vista do terraço de minha suíte - Foto: Simone Catto

Outro ângulo do salão do café da manhã. Ao fundo, à esquerda, há uma sala de estar. E a abertura escura à direita é uma sala
de TV - Foto: Simone Catto

A diária dá direito a um delicioso café da manhã, com pães de queijo quentinhos, pães variados e bolos caseiros produzidos lá mesmo, queijos, frios, geleias, leite, café, suco de laranja e outras coisinhas que dão água na boca. Tudo fresquinho, preparado e arrumado com capricho.

Vista do bufê do café - Foto: Simone Catto

Nham... os bolos e pães caseiros dão água na boca! - Foto: Simone Catto

E aqui, os queijos e frios com o delicioso bolo de laranja ao fundo... - Foto: Simone Catto

O bolo de laranja é um capítulo à parte e mereceu uma foto só dele: macio e levemente umedecido, é uma verdadeira perdição, um dos melhores que já comi!!

O bolo de laranja preparado lá mesmo é dos deuses! - Foto: Simone Catto

Alguns detalhes simpáticos: todos os finais de tarde encontramos chás com biscoitinhos no salão do café, o que é altamente reconfortante na volta dos passeios. E para quem quiser apreciar a magnífica paisagem da Mantiqueira sobre duas rodas, a pousada tem bikes para emprestar. Além disso, à noite, após tomar um vinho no Baden Baden ou em um dos agradáveis restaurantes do Capivari, também podemos escolher um filme da vasta coleção de DVDs que a pousada disponibiliza para emprestar aos hóspedes. Eles ficam expostos numa vitrine ao lado da recepção, e nota-se que não foram escolhidos aleatoriamente: vê-se que são filmes de qualidade, selecionados com critério, e vários fizeram sucesso recentemente nas telas dos cinemas.

Diante de tudo isso, se você pretende ir a Campos do Jordão e se hospedar no Centro de Capivari, super recomendo a POUSADA TELHADO DE OURO, pois minha experiência lá foi ótima em todos os sentidos! O endereço é Rua General Abílio de Noronha, 20. Tel.: (12) 3663-6500.

As tarifas são variáveis dependendo da época do ano e podem ser consultadas no site: www.pousadatelhadodeouro.com.br

Boa viagem!

'Que horas ela volta?', um filme que chegou em boa hora.

Confesso que há um bom tempo eu não me aventurava a assistir a um filme brasileiro. Tenho notado que várias produções nacionais têm pipocado aqui e ali, mas, por alguma razão, não sentia confiança suficiente em sua qualidade. Até porque, infelizmente, tenho pouco tempo disponível para ir ao cinema e, quando isso acontece, acabo invariavelmente optando por um filme que ofereça menos riscos de me decepcionar. Tem funcionado!

Até que, há cerca de um mês, ouvi falar – e bem - de Que horas ela volta?, escrito e dirigido por Anna Muylaert e estrelado por Regina Casé. Primeiro, soube que a película colheu prêmios nos prestigiados festivais de Berlim e Sundance. E depois, gostei do enredo, no qual Regina Casé interpreta Val, uma empregada doméstica que trabalha há muitos anos em uma residência de classe alta do Morumbi. Imaginei que, no mínimo, Casé imprimiria, com muito talento, um toque cômico à interpretação de seu personagem. E realmente não me enganei: a atriz é a melhor coisa do filme, embora eu tenha gostado do resultado como um todo. Mesmo sendo de origem nordestina, Regina teve aulas de prosódia com uma professora para aprimorar seu "pernambuquês", isto é, incorporar o sotaque, o tom e as expressões usadas naquele Estado, e o resultado ficou muito bom.

O casal de patrões de Val e o filho adolescente, interpretados por Lourenço Mutarelli, Karine Teles e Miguel Joelsas.

Não há como negar: o filme mostra um retrato muito fiel da forma como se relaciona boa parte das empregadas e patroas da elite brasileira. A separação de classes é muito clara. Val é uma pessoa bem ajustada (ou resignada?) à sua condição, parece gostar do que faz e tem um vínculo de carinho maternal com Fabinho, o filho adolescente da casa que viu nascer e crescer e que solicita mais sua companhia do que a da própria mãe. No entanto, o espaço que lhe é destinado – e que ela se permite ocupar - na residência é restrito e está em franco contraste com o padrão de vida da família: a empregada dorme em um quartinho minúsculo sem ventilação e não se atreve sequer a sentar na mesma mesa de refeições, na cozinha, utilizada pelos patrões.

Val (Regina Casé) e Fabinho quando pequeno: a empregada e o filho dos patrões nutrem um pelo outro 
um afeto genuíno desde o nascimento do menino. 

O menino cresce e sente-se mais próximo da empregada do que da própria mãe.

As coisas começam a se complicar quando a filha de Val, Jéssica, chega de Pernambuco para prestar vestibular de Arquitetura na USP. Sim, embora de origem humilde, a menina é inteligente, bem articulada e, de alguma forma, teve chance de estudar. Por isso mesmo, não compreende - e tampouco aceita - a diferença de condições que constata ao comparar a forma como vivem sua mãe e os patrões. Em determinado momento, Jéssica questiona, por exemplo, por que Val nunca ousou entrar na piscina da residência onde trabalha. E para horror da mãe, que afirma ter nascido sabendo "onde é o seu lugar", começa a tomar certas liberdades na casa, no que é abertamente incentivada por Carlos, o patrão, que nutre pela garota intenções para lá de dúbias. A partir daí, os estranhamentos e conflitos gradativamente aumentam, sejam entre Jéssica e Bárbara, a patroa, ou entre Jéssica e a própria mãe.

Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, questiona a mãe a todo momento sobre sua condição.

Como afirmei anteriormente, achei o filme bom e posso dizer que, no mínimo, ele suscita uma reflexão sobre as relações servis de trabalho no Brasil que pode incomodar os olhares mais atentos. Vá conferir!

O filme está em cartaz em vários cinemas de São Paulo, entre os quais o Caixa Belas Artes, Espaço Itaú de Cinema Augusta, Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca e Reserva Cultural.

Ficha técnica parcial

Direção: Anna Muylaert

Elenco: Regina Casé (Val), Camila Márdila (Jessica), Michel Joelsas (Fabinho), Karine Teles (Bárbara) e Lourenço Mutarelli (Carlos) e outros.

domingo, 13 de setembro de 2015

'A Dama Dourada': um bom começo para conhecer a saga da Mona Lisa da Áustria.

De uns anos para cá, a imprensa tem noticiado vários casos de restituição de obras de arte a famílias judias, após a comprovação de que elas haviam sido pilhadas pelos nazistas durante a II Guerra Mundial. Muitas dessas obras se encontravam em grandes museus europeus e, após longos processos judiciais, foram devolvidas aos herdeiros de judeus que haviam sido espoliados de seus bens, muitos dos quais mortos em campos de concentração.

Apenas na França, 100 mil pinturas foram roubadas pelos nazistas, que também confiscaram cerca de 500 mil móveis e mais de 1 milhão de livros manuscritos. O principal alvo de Hitler eram as grandes coleções, e a família que mais sofreu perdas foi a dos tradicionais banqueiros Rothschild, que teve mais de 5.000 obras de arte confiscadas.

Depois da guerra, boa parte das obras foi restituída a seus legítimos donos graças ao trabalho dos Aliados, que criaram, em 1943, o destacamento 'Monumentos, Obras de Arte e Arquivos', especialmente dedicado a essa tarefa. Esse grupo de oficiais de elite de resgate, conhecido como 'The Monuments Men', era formado por militares franceses, canadenses, britânicos e americanos. Mesmo assim, do montante roubado na França, acredita-se que cerca de 25.000 obras ainda não tenham sido restituídas aos legítimos herdeiros.

A jovem Maria Altmann, ainda feliz no seio
de sua família.
A judia Maria Altmann (1916-2011), nascida Maria Bloch-Bauer, não era francesa, mas austríaca. Membro de uma abastada família que vivia em Viena, ela levava uma vida feliz até os nazistas fecharem cada vez mais o cerco na cidade e finalmente atingirem sua família. A fascinante trajetória de Maria, interpretada por Helen Mirren, é tema do filme A Dama Dourada, em cartaz nos cinemas de São Paulo. Pouco depois de se casar, Maria conseguiu fugir para os Estados Unidos com seu marido, Fritz Altmann. Seus pais ficaram no país e, provavelmente, morreram em campos de concentração.

No filme vemos Maria estabelecida em Los Angeles, já idosa, proprietária de uma butique que vende roupas finas femininas. No ano de 1998, ela resolve reaver obras de arte que pertenciam à sua família e haviam sido pilhadas pelos nazistas. Mais do que o dinheiro, é a necessidade de justiça que a motiva. Com o auxílio do jovem advogado americano Eric Randol Schoenberg, também judeu e neto do compositor Arnold Schoenberg, mestre do dodecafonismo, ela inicia um processo judicial contra o governo da Áustria. Seu objetivo: recuperar cinco telas de autoria de Gustav Klimt (1862-1918), entre as quais se destacava a mítica A Dama Dourada, primeiro retrato que o artista fez de Adele Block-Bauer (1881-1925), sua tia. Além do advogado, Maria conta com a ajuda de Hubertus, um jornalista austríaco que se solidariza com sua causa.

Acima, Maria e Fritz, seu marido na vida real. E abaixo, os atores que interpretam
o casal  no filme: Max Iron e Tatiana Maslany.

Gustav Klimt - 'Retrato de Adele Bloch-Bauer I' ou 'A Dama Dourada' (1907). O mítico retrato da tia foi a principal obra que Maria Altmann tentou recuperar.

Adele Block-Bauer, a musa do retrato e tia de Maria.

Maria Altmann com seu advogado, Eric Randal Schoenberg, neto do compositor que revolucionou a música com a criação da escala dodecafônica.

Helen Mirren, intérprete de Maria Altmann, ao lado de Ryan Reynolds, que fez o papel do advogado no filme.
E ao fundo, ela mesma: Adele Bloch-Bauer exuberantemente retratada por Gustav Klimt - Foto: Robert Viglasky

Adele pertencia a uma influente família de banqueiros e morava em um apartamento na Elisabethstrasse, uma das mais imponentes avenidas de Viena. A casa dos Block-Bauer era ponto de encontro da elite cultural da cidade e Klimt começou a frequentá-la quando Adele ainda era jovem. O artista, no entanto, já era um dos maiores nomes da escola Art Nouveau de Viena e tinha fama de sedutor. Consta que pintava de três a quatro telas ao mesmo tempo, de manhã até a noite, e mantinha casos amorosos com várias modelos e clientes que circulavam por seu ateliê. As damas da sociedade faziam fila para ser pintadas por Klimt. Um crítico da época até escreveu: "Às vezes, não era seguro para a reputação de uma senhora da alta sociedade ter seu retrato pintado por Klimt. Desde logo, elas podiam adquirir a fama de ter tido um caso com o mestre, conhecido pelas suas vergonhosas relações com as mulheres."

Adele em foto tirada em c. 1910.

Ferdinand Bloch-Bauer, um industrial do açúcar e marido de Adele, parecia não temer a fama do artista conquistador e conseguiu convencê-lo a receber sua esposa, que era fã do pintor desde a adolescência. Em 1907, após quatro anos de trabalho, Gustav Klimt finalizou o exuberante Retrato de Adele Block-Bauer I e, em 1912, terminou uma segunda pintura da moça. Utilizou tinta a óleo, prata e folhas de ouro para retratar a tia de Maria Altmann com um verdadeiro esplendor, repleta de ornamentos dourados e joias. 

O segundo retrato de Adele feito por Gustav Klimt, finalizado em 2012.
Essa pintura também foi encomendada pelo marido da moça.

O magnífico colar em torno do pescoço de Adele, que aparece na pintura 'A Dama Dourada', seria dado a Maria posteriormente por um tio, como presente de casamento. Pouco depois da anexação da Áustria pelo Terceiro Reich, em 1938, quando o apartamento da família na Elisabethstrasse foi invadido e sua coleção de arte apreendida, o colar de Adele acabou nas mãos de Emmy, mulher de Hermann Göring, o comandante da Força Aérea Alemã e segundo homem na hierarquia nazista.

Adele foi a única mulher pintada mais de uma vez por Klimt e suspeita-se que tenham mantido um romance, dada a fama de conquistador do artista. Dizem que a figura feminina seminua com expressão de êxtase na pintura Judith I, de 1901, é na realidade um retrato de Adele, que teria 20 anos à época. Além da semelhança física, o colar no pescoço da modelo parece ser o mesmo que está no pescoço de Adele no famoso primeiro retrato encomendado por seu marido.

Gustav Klimt - Judith I (1901) - seria Adele?

Aos poucos, algumas poucas damas dos círculos intelectuais começaram a usar as arrojadas roupas largas e as estampas vibrantes dos vestidos das telas de Klimt como uma atitude de liberação. A estilista que os criava chamava-se Emilie Flöge, uma austríaca à frente de seu tempo que também era próxima de Klimt e, adivinhe... suspeita-se que também tenha sido amante do artista. É, o homem não deixava escapar um rabo de saia! 

A estilista Emilie Flöge vestindo uma de suas criações. Note a padronagem de losangos,
semelhante àquela do vestido usado por Adele em 'A Dama Dourada'.

Emilie Flöge e Gustav Klimt: "muy amigos"!

Em 1943, as obras de arte de Klimt que haviam sido roubadas fizeram parte de uma exposição. Nessa ocasião, o retrato de Adele foi rebatizado de 'A Dama Dourada' pelos organizadores, a fim de ocultar as raízes judaicas da obra.

Adele morreu de meningite em 1925, antes do início da II Guerra, e tinha apenas 43 anos. Em seu testamento, expressou o desejo de que o quadro fosse para a Galeria Nacional do Belvedere, em Viena – e lá ele permaneceu até 2006. Considerado como "a Mona Lisa austríaca", ele era grande motivo de orgulho para o museu e para a Áustria.

Maria Altmann ganhou o processo contra o governo austríaco tomando como base o fato de que a pintura não chegou legalmente ao museu, já que fora incorporado ao acervo após ser roubado de sua casa pelos nazistas, e não após a morte dos herdeiros legais de sua tia Adele. Em 2006, ela vendeu a obra para Ronald Lauder, acionista da famosa indústria de cosméticos Estée Lauder e cofundador da Neue Galery, de Nova York, por US$ 135 milhões - o maior valor pago por uma pintura até então. A saga de Maria Altmann e a história de Adele Bloch-Bauer, bem como suas relações com Gustav Klimt, são descritos no livro 'A Dama Dourada – Retrato de Adele Bloch-Bauer', de autoria da jornalista Anne-Marie O'Connor. Vale conferir!

Maria Altmann, após ganhar o processo contra o governo austríaco, ao lado do quadro que mostra sua bela e inesquecível tia Adele.

E no filme, a cena da vitória de Maria no tribunal.

Embora Helen Mirren seja inglesa, vê-la interpretando uma austríaca no filme 'A Dama Dourada' não me causou estranhamento, até porque considero-a uma excelente atriz, além de supercarismática. Dizer que o filme é excepcional seria exagero, mas posso classificá-lo como um bom filme. A história baseada em fatos reais é fascinante, o elenco cumpre seu papel, a produção é caprichada e, é claro, temos Lady Mirren. Recomendo, sobretudo como um ponto de partida para você conhecer mais a fundo a história de Gustav Klimt e sua relação com essas mulheres apaixonantes!

Ficha técnica parcial

Direção: Simon Curtis
Produção: EUA / Inglaterra
Elenco: Helen Mirren (Maria Altmann), Ryan Reynolds (Eric Randal Schoenberg), Tatiana Maslany (Maria Altmann jovem), Max Irons (Fritz Altmann), Daniel Brühl (Hubertus Czernin), Antie Traue (Adele Bloch-Bauer), Danielben Miles (Ronald Lauder)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Amantikir, o parque da "serra que chora" e faz o coração sorrir.

Era uma vez um engenheiro agrônomo chamado Walter Vasconcellos. Além de plantas, ele cultivava um sonho: compartilhar com todas as pessoas os lindos jardins que criava para as residências de seus abastados clientes. Esse sonho brotou, cresceu e, em 2007, tomou forma e ganhou um nome: Parque Amantikir.

Em agosto, numa de minhas andanças pela Serra da Mantiqueira, tive a felicidade de conhecer esse miniparaíso localizado em Campos do Jordão – SP e posso dizer que se trata de um dos pedaços de terra mais belos e bem cuidados que já vi no Brasil.

Entrada do Parque Amantikir - Foto: Simone Catto

O labirinto de grama, abaixo, é o cartão-postal símbolo do parque. Criado pelos celtas no século V a.C., esse tipo de labirinto era considerado um lugar sagrado e possui forte conotação esotérica.

Labirinto de grama - Foto: Simone Catto

Com 25 alqueires (600.000 m²) no total, ocupados por jardins cultivados e plantas nativas em um terreno que pertencia ao extinto haras Serra Azul, o Amantikir presta uma verdadeira homenagem a toda a exuberância natural da Serra da Mantiqueira. Hoje reúne quase 900 espécies de plantas em 27 espaços inspirados em cerca de 50 jardins de diferentes países que Walter conheceu pelo mundo, além de atrair mais de 90 espécies de pássaros.

Foto: Simone Catto

Vista do Jardim Inglês - Foto: Simone Catto

Cada cantinho do parque foi idealizado por Walter Vasconcellos, carinhosamente apelidado de 'Dr. Garden', e construído com apoio financeiro de mais três empresários. 

Foto: Simone Catto

Neste agradável espaço, podem ser realizados pequenos eventos - Foto: Simone Catto

Na parte Leste do parque, dá para apreciar calmamente a serra da Mantiqueira em toda a sua imensidão e beleza!

Foto: Simone Catto

Viva a Mantiqueira! - Foto: Simone Catto

O Amantikir também tem um labirinto clássico. Se alguém se perder por lá, precisa esperar para ser resgatado pelo jardineiro somente às 17 horas. Eu não arrisquei! (rs) 

O labirinto clássico - Foto: Simone Catto
  
Nessa linda paisagem, dá para notar o labirinto clássico no centro, ao fundo - Foto: Simone Catto
  
À entrada do parque, ganhamos um mapa muito prático indicando o trajeto a ser percorrido e os nomes de cada jardim pelo caminho. O local é muito bem sinalizado e placas fornecem instruções sobre a conduta adequada para o visitante desfrutar o passeio sem desrespeitar esse lugar mágico.

Noções de civilidade nunca são demais! - Foto: Simone Catto

Aqui as plantas foram cultivadas em patamares. A cada época do ano, mudam as cores - Foto: Simone Catto

O parque também tem um agradável restaurante. Como eu havia tomado um excelente café da manhã, não tinha um pingo de fome. O almoço vai ficar para a próxima vez!

O restaurante - Foto: Simone Catto

Mas de onde surgiu o nome 'Amantikir'?

Diz a lenda que havia uma linda princesa da Brava Tribo Guerreira do Povo Tupi. Todos os homens a desejavam, mas a princesinha rejeitava todos, até que um dia se apaixonou pelo Sol, o guerreiro de cocar de fogo que vivia no céu e caçava para o deus Tupã. A princípio, o Sol não queria saber dela, mas acabou se rendendo aos encantos da princesa. Então passou a brilhar por horas e horas a fio sobre a Terra para beijar a amada, e nada da noite chegar. O sol não se punha mais. A Lua, que também era apaixonada por ele, ficou louca de ciúmes e raiva e contou tudo ao deus Tupã, que ergueu uma grande montanha e encerrou a princesa em seu interior. O Sol, cheio de dor, sangrou poentes e quis se afogar no mar. A Lua, com a dor de seu amado, chorou miríades de estrelas. Mas nenhum choro foi tão intenso como o da princesa, que nunca mais pôde ver o dia e nunca mais sentiria o Sol... Ela chorou rios de lágrimas, Rio Verde, Rio Passa-Quatro, Rio Quilombo, rios de águas límpidas, minas, fontes, cachoeiras, mananciais... Seu povo esqueceu seu nome, mas chamou-a de Amantikir, a "Serra que chora". Os portugueses pronunciavam como "Mantiqueira", e assim nasceu a serra-mãe deste lindo parque... Só lamento que a pobre princesa tenha precisado chorar tanto para criar uma paisagem tão linda!

Foto: Simone Catto

O Jardim Japonês - Foto: Simone Catto

O Amantikir não recebe patrocínio ou apoio governamental, é todo sustentado pela iniciativa privada e o valor arrecadado com a venda de ingressos. Todo o projeto do parque está apoiado sobre três pilares: Diversidade, Sustentabilidade e Educação. A ideia é que as pessoas saiam de lá melhores do que entraram, ganhando a oportunidade de refletir e aprender a respeitar a natureza. Porque o Amantikir não é apenas a realização do sonho de um só homem. É um sonho generosamente compartilhado para o deleite de todos, como bem explica o belo texto a seguir, de autoria de Rubem Alves, que introduz o site do parque:

“Depois de uma longa espera consegui, finalmente, plantar o meu jardim. Tive de esperar muito tempo porque jardins precisam de terra para existir. Mas a terra eu não tinha. De meu, eu só tinha o sonho. Sei que é nos sonhos que os jardins existem, antes de existirem do lado de fora. Um jardim é um sonho que virou realidade, revelação de nossa verdade interior escondida, a alma nua se oferecendo ao deleite dos outros, sem vergonha alguma...” - Rubem Alves

Se você for à Serra da Mantiqueira, não deixe de conhecer essa maravilha! O PARQUE AMANTIKIR fica na Rodovia Campos do Jordão-Eugênio Lefèvre, 215 - Bairro Gavião Gonzaga - Campos do Jordão - SP. Tel.: (12) 9 96346784 – www.parqueamantikir.com.br. Abre todos os dias, das 8h às 17h.

INGRESSOS

Os ingressos são descritos na língua Tupi, como uma forma de valorizar as raízes indígenas.

-Açu (Inteira): R$ 30,00 em julho e R$ 25,00 nos demais meses.

-Böya (Meia): R$ 15,00
Estudantes, Aposentados, Sêniores (acima de 70 anos), hóspedes de parceiros e grupos acima de 10 pessoas sem agendamento prévio.

-Cati (Especial): R$ 10,00
Hóspedes de parceiros e grupos acima de 10 pessoas com agendamento prévio.

-Ayira: Cortesia
Moradores locais, crianças até 4 anos* e visitantes acima de 80 anos*.

* Máximo de 2 pessoas por grupo familiar com o mesmo sobrenome.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

'Histórias da Loucura – Desenhos do Juquery': o talento por trás do caos.

Depois de conhecer o fascinante trabalho da Dra. Nise da Silveira (1905-1999), médica psiquiatra brasileira que foi aluna de Carl Jung e mostrou o poder da arte nos processos terapêuticos, eu não poderia deixar de visitar a exposição Histórias da Loucura – Desenhos do Juquery, atualmente no MASP.  

A mostra reúne cerca de 100 desenhos feitos por internos do Hospital Psiquiátrico do Juquery, localizado em Franco da Rocha, São Paulo. As obras pertenciam ao Dr. Osório Thaumaturgo César (1895-1979), fundador e diretor da Escola Livre de Artes Plásticas, que funcionou no hospital entre 1956 e meados da década de 1970. 

Médico psiquiatra do Juquery por mais de quatro décadas, o Dr. Osório César, nascido em João Pessoa, na Paraíba, pertencia a uma geração anterior à da Dra. Nise da Silveira (note que 20 anos separam o nascimento de um e outro) e foi um dos pioneiros no Brasil a pesquisar e a aplicar o uso da arte como recurso terapêutico em pacientes psiquiátricos. Por acreditar no talento e nas qualidades estéticas dos trabalhos dos internos, promoveu exposições de desenhos e pinturas criados no Juquery e o MASP sediou duas delas: uma em 1948, um ano após a inauguração do museu, e outra em 1954. Em 1974, o médico doou sua coleção particular ao MASP.

Uma curiosidade: o Dr. Osório foi casado com a musa do Modernismo Tarsila do Amaral, mostrando que não apenas devia apreciar arte como provavelmente estava habituado a esse universo.

A exposição está dividida em duas salas. Uma delas contém mais de 50 desenhos de artistas diversos, a saber: Antonio Donato de Souza, Armando Natale, Augustinho, Geraldo Simão, Homero Novaes, J. F. Menezes, J. Q., José Ferreira Barbosa, Maria Claudina D’Onofrio, Marianinha Guimarães, O. Doring, Pedro Cornas (O Estudioso), Pedro dos Reis, Sebastião Faria e artistas desconhecidos. Infelizmente, não é mencionado o autor de cada obra, o que tornaria a análise muito mais interessante. A outra sala é dedicada a um único paciente, Albino Braz, que tem 42 desenhos expostos.

Todos os desenhos são realmente muito curiosos. Para mim foi inevitável, ao olhar para eles, fazer elucubrações para tentar imaginar o que se passava na cabeça de seus autores no momento da criação. Havia várias obras de conotações religiosas, por exemplo. Não pude deixar de me lembrar de Carlos Pertuis, o paciente da Dra. Nise da Silveira retratado no filme A Barca do Sol, de Leo Hirszman, exibido há alguns anos na mostra Imagens do Inconsciente, no Ciclo de Cinema e Psicanálise da Cinemateca Brasileira, também resenhado no blog (veja aqui). Diagnosticado como esquizofrênico, Pertuis criou obras proféticas como O Planetário de Deus, a representação do universo numa espantosa mandala macrocósmica. Os desenhos dos artistas do Juquery, no entanto, são quase totalmente figurativos e mostram cenas religiosas facilmente identificáveis, como a aparição da Virgem Maria às crianças e imagens de Jesus.

Obs.: as fotos de algumas obras saíram com o reflexo da película de vidro que as recobre, mas dá para visualizarmos suas características principais.

Aparição da Virgem às crianças - artista não mencionado
Foto: Simone Catto

A representação abaixo de Jesus ao lado de uma mulher que parece uma feiticeira é mais primária, lembrando um desenho infantil.

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

E a seguir, uma representação bem mais elaborada de Cristo, com um ousado manejo de cor. Note o contraste entre o lado direito e esquerdo do rosto. É como se Ele tivesse duas faces ou... dupla personalidade!

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Achei muito expressivo o desenho abaixo, que representa uma Nossa Senhora. A forma como o artista trabalhou o sombreado nas dobras das vestes revela que ele possuía um razoável conhecimento técnico.

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Em oposição às representações religiosas, a exposição também exibe desenhos profanos, como nus e outros de natureza francamente sexual, como atestam as obras abaixo.

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

A sala dedicada exclusivamente ao paciente Albino Braz tem vários exemplos desse tipo. É curioso notar que ele utiliza um único padrão pictórico para representar o órgão sexual feminino, como vemos nas imagens abaixo.

Desenho de Albino Braz - Foto: Simone Catto

Desenho de Albino Braz - Foto: Simone Catto

O desenho a seguir, também de Albino Braz, mostra um casal em pleno ato sexual, envolto em uma espécie de círculo que lembra uma bola de árvore de Natal. Segundo Carl Jung, na obra O homem e seus símbolos, também resenhada neste blog, a forma esférica simboliza a totalidade do 'self', a integridade do 'eu'. Será que Albino apresentava algum trauma ou distúrbio afetivo-sexual e o enquadramento do ato no interior do círculo significaria uma tentativa de controlar esse fantasma? Ou essa suposta desordem afetiva-sexual era tão grande que ocupava a totalidade de seu 'eu', daí ocupar todo o círculo/self? 

Note também a presença do gato e do pássaro como coadjuvantes nesse mesmo desenho. Esses animais são recorrentes nas obras de Albino, que também representa outros bichos em diferentes ocasiões.

Desenho de Albino Braz - Foto: Simone Catto

Desenho de Albino Braz - Foto: Simone Catto

Abaixo, os animais aparecem numa alegre cena circense.

Desenho de Albino Braz - Foto: Simone Catto

E a seguir, temos uma curiosa "socialite índia" – note o penacho em sua cabeça. Pergunto-me se o homem atrás dela foi representado em dimensões menores por uma questão de perspectiva ou porque seria "menos importante", já que o desenho de seu corpo nem foi concluído...

Desenho de Albino Braz - Foto: Simone Catto

E no próximo desenho, Albino nos fornece uma espécie de bestiário.

Desenho de Albino Braz - Foto: Simone Catto

Uma obra que logo chamou minha atenção foi o castelo da segunda imagem abaixo. Representado de maneira simétrica e preenchido com pequenos quadrados como se fossem janelas, ele me remeteu de imediato a um outro castelo, pintado por Carlos Pertuis, o paciente esquizofrênico da Dra. Nise da Silveira mencionado anteriormente. Segundo a médica, o fato de o castelo estar envolvido por figuras geométricas dispostas simetricamente seria uma tentativa inconsciente do artista de organizar seu caos interior. Será que o paciente do Dr. Osório, a exemplo do paciente da Dra. Nise, também era esquizofrênico?

Obra de Carlos Pertuis, paciente psiquiátrico da Dra. Nise da Silveira.

Obra de paciente psiquiátrico do Dr. Osório César - Foto: Simone Catto

E o que dizer do tigre abaixo, pulando à frente de um trem? Pensaria seu autor em suicídio ou apenas desejou representar uma bela cena?

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Alguns desenhos são bem prosaicos, como as colegiais representadas a seguir e as duas meninas, cujo traçado tem um poder de síntese que denota verdadeiro talento.

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Abaixo, vemos um homem se desintegrando gradualmente em um traçado cada vez mais esvanecido... será que o artista sentia ocorrer o mesmo com seu 'self' ou se trata apenas de um belo recurso pictórico? Torço para que a segunda hipótese seja a verdadeira!

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

A mostra também tem paisagens, mas bem diferentes entre si. As duas obras a seguir certamente não foram criadas pelo mesmo artista. Pode parecer uma simplificação leviana de minha parte, mas o autor da paisagem superior, tecnicamente muito mais complexa, pareceu-me bem mais atormentado que o da plácida paisagem inferior.

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Artista não mencionado - Foto: Simone Catto

Guardadas as devidas proporções, a combinação de cores da primeira paisagem lembrou-me Cézanne. Note que há também um homem escondido entre as árvores e que, a seu lado, no solo, parece haver uma lanterna acesa com um facho de luz azul. Será que ele tentava chegar ao píer à direita e sua lanterna caiu ao chão, gerando-lhe um obstáculo? O que significa o mar por trás daquele píer? Desejo de liberdade? Veja, também, que o desenho é todo circundado por uma espécie de moldura desenhada em arcos. Seria uma tentativa do artista de tentar manter algum controle sobre si mesmo? Infelizmente essas respostas perderam-se no tempo (ou no prontuário médico do paciente...), mas, o que podemos afirmar seguramente é que, embora sombria, a composição apresenta uma bela combinação de cores. 

Curiosamente, a paisagem inferior também mostra água. Será coincidência? No entanto, a relação do homenzinho com a visão que tem à sua frente me parece bem mais tranquila. Mesmo de costas, ele parece estar sereno e não temer seu destino.

Não parece ser este o caso do artista da obra a seguir, que desenhou um rosto bem perturbador. E não é para menos: seu autor sofria de esquizofrenia, como atesta a inscrição datilografada em francês no rodapé da imagem, que tem a seguinte tradução:

‘P... Reis -Esquizofrenia crônica.
Resumo –Reticente. Frio. Capacidade
perceptiva comprometida.’

Desenho de P... Reis, paciente esquizofrênico - Foto: Simone Catto

A legenda do desenho anterior, atestando que seu autor era esquizofrênico crônico.

Um dos aspectos mais interessantes da exposição Histórias da Loucura: desenhos do Juquery é justamente esse exercício de tentarmos descobrir ou desvendar o que havia por trás daquelas imagens. É notório, também, o talento da esmagadora maioria dos pacientes ali representados. Muitos detinham conhecimentos de luz e sombra, perspectiva, composição e manejo de cor, adquiridos possivelmente na Escola de Artes Plásticas criada pelo Dr. Osório no hospital. Recomendo a mostra a todos!

HISTÓRIA DA LOUCURA: DESENHOS DO JUQUERY está em exposição no MASP – Museu de Arte de São Paulo - Av. Paulista, 1578 – tel.: (11) 3149-5959 – www.masp.art.br. Abre de terça a domingo, das 10h às 18h (bilheteria aberta até 17h30); quinta-feira, das 10h às 20h (bilheteria até 19h30). O ingresso custa R$ 25,00 a inteira e R$ 12,00 a meia. A entrada é gratuita às terças-feiras, o dia todo, e quintas-feiras, a partir das 17h. Até 11/10.