domingo, 27 de setembro de 2015

'Que horas ela volta?', um filme que chegou em boa hora.

Confesso que há um bom tempo eu não me aventurava a assistir a um filme brasileiro. Tenho notado que várias produções nacionais têm pipocado aqui e ali, mas, por alguma razão, não sentia confiança suficiente em sua qualidade. Até porque, infelizmente, tenho pouco tempo disponível para ir ao cinema e, quando isso acontece, acabo invariavelmente optando por um filme que ofereça menos riscos de me decepcionar. Tem funcionado!

Até que, há cerca de um mês, ouvi falar – e bem - de Que horas ela volta?, escrito e dirigido por Anna Muylaert e estrelado por Regina Casé. Primeiro, soube que a película colheu prêmios nos prestigiados festivais de Berlim e Sundance. E depois, gostei do enredo, no qual Regina Casé interpreta Val, uma empregada doméstica que trabalha há muitos anos em uma residência de classe alta do Morumbi. Imaginei que, no mínimo, Casé imprimiria, com muito talento, um toque cômico à interpretação de seu personagem. E realmente não me enganei: a atriz é a melhor coisa do filme, embora eu tenha gostado do resultado como um todo. Mesmo sendo de origem nordestina, Regina teve aulas de prosódia com uma professora para aprimorar seu "pernambuquês", isto é, incorporar o sotaque, o tom e as expressões usadas naquele Estado, e o resultado ficou muito bom.

O casal de patrões de Val e o filho adolescente, interpretados por Lourenço Mutarelli, Karine Teles e Miguel Joelsas.

Não há como negar: o filme mostra um retrato muito fiel da forma como se relaciona boa parte das empregadas e patroas da elite brasileira. A separação de classes é muito clara. Val é uma pessoa bem ajustada (ou resignada?) à sua condição, parece gostar do que faz e tem um vínculo de carinho maternal com Fabinho, o filho adolescente da casa que viu nascer e crescer e que solicita mais sua companhia do que a da própria mãe. No entanto, o espaço que lhe é destinado – e que ela se permite ocupar - na residência é restrito e está em franco contraste com o padrão de vida da família: a empregada dorme em um quartinho minúsculo sem ventilação e não se atreve sequer a sentar na mesma mesa de refeições, na cozinha, utilizada pelos patrões.

Val (Regina Casé) e Fabinho quando pequeno: a empregada e o filho dos patrões nutrem um pelo outro 
um afeto genuíno desde o nascimento do menino. 

O menino cresce e sente-se mais próximo da empregada do que da própria mãe.

As coisas começam a se complicar quando a filha de Val, Jéssica, chega de Pernambuco para prestar vestibular de Arquitetura na USP. Sim, embora de origem humilde, a menina é inteligente, bem articulada e, de alguma forma, teve chance de estudar. Por isso mesmo, não compreende - e tampouco aceita - a diferença de condições que constata ao comparar a forma como vivem sua mãe e os patrões. Em determinado momento, Jéssica questiona, por exemplo, por que Val nunca ousou entrar na piscina da residência onde trabalha. E para horror da mãe, que afirma ter nascido sabendo "onde é o seu lugar", começa a tomar certas liberdades na casa, no que é abertamente incentivada por Carlos, o patrão, que nutre pela garota intenções para lá de dúbias. A partir daí, os estranhamentos e conflitos gradativamente aumentam, sejam entre Jéssica e Bárbara, a patroa, ou entre Jéssica e a própria mãe.

Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, questiona a mãe a todo momento sobre sua condição.

Como afirmei anteriormente, achei o filme bom e posso dizer que, no mínimo, ele suscita uma reflexão sobre as relações servis de trabalho no Brasil que pode incomodar os olhares mais atentos. Vá conferir!

O filme está em cartaz em vários cinemas de São Paulo, entre os quais o Caixa Belas Artes, Espaço Itaú de Cinema Augusta, Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca e Reserva Cultural.

Ficha técnica parcial

Direção: Anna Muylaert

Elenco: Regina Casé (Val), Camila Márdila (Jessica), Michel Joelsas (Fabinho), Karine Teles (Bárbara) e Lourenço Mutarelli (Carlos) e outros.

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