domingo, 29 de novembro de 2015

As mil faces de Guignard: retratos e autorretratos.

Este post é a segunda parte da resenha da exposição 'Guignard – Memória Plástica do Brasil Moderno', que aconteceu recentemente no MAM-SP e reuniu mais de 70 obras do pintor Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo - RJ, 1896 – Belo Horizonte - MG, 1962). Na primeira parte, falo um pouco das pinturas de paisagens e festas do artista. Aqui, o tema são os retratos e autorretratos, considerados por alguns críticos como a porção mais fértil de sua obra.

Guignard - 'Van Gogh' (1929) - óleo s/ cartão - coleção particular - RJ - Foto: Simone Catto

Sabemos que, após passar sua infância e juventude na Europa, Guignard retornou a sua cidade natal, o Rio de Janeiro, em 1929. Lá participou do Salão Revolucionário de 1931 e chamou a atenção de Mário de Andrade (1893-1945), que o considerou uma das grandes revelações da mostra. Guignard pertencia à segunda geração de modernistas que participaram da exposição de 1931, ao lado de Moussia Pinto Alves, Paulo Rossi Osir, Victorio Gobbis e Cândido Portinari. Nessa época, ele realizou vários trabalhos sobre o Jardim Botânico, onde instalou seu ateliê, e tentou se enturmar com poetas como Murilo Mendes e artistas como Ismael Nery.

Guignard - 'Jardim Botânico' (c. 1937) - coleção particular - Foto: Simone Catto

Foi notória, também, a atividade de Guignard como docente. De 1931 a 1943, ensinou desenho e pintura para órfãos de militares, na Fundação Osório, no Rio de Janeiro. Entre 1940 e 1942, viveu num hotel em Itatiaia, pintou a paisagem local e decorou peças e cômodos do hotel onde se hospedou. Em 1941, integrou a Comissão Organizadora da Divisão de Arte Moderna do Salão Nacional de Belas Artes, com Oscar Niemeyer (1907-2012) e Aníbal Machado (1894- 1964). Em 1943, passou a orientar alunos em seu ateliê e fundou, com outros artistas, o Grupo Guignard no diretório acadêmico da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, no qual orientou, entre outros, Iberê Camargo (1914-1994) e Waldemar Cordeiro (1925-1973). A única exposição do grupo, realizada no próprio Enba, foi fechada por alunos conservadores e reinaugurada na Associação Brasileira de Imprensa - ABI. Em 1944, Guignard mudou-se para Minas Gerais a convite de Juscelino Kubitschek, então governador do Estado, e dirigiu o curso livre de desenho e pintura da Escola de Belas Artes, em Belo Horizonte.

Nas décadas de 30 e 40, o artista fez retratos de pessoas da classe alta, entre os quais está uma de suas obras mais conhecidas, o premiado retrato das gêmeas 'Léa e Maura', ou 'As gêmeas' (1940), que aparecem com vestidos idênticos. As meninas eram filhas do senador Barros Carvalho, na casa de quem Guignard morou e, mais tarde, em 1943, pintou uma paisagem de Olinda no teto da sala de jantar. A casa fica no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro, e a paisagem pintada no fundo da pintura é imaginária. A esse respeito, vale ressaltar que, mesmo nos retratos, Guignard se preocupava em criar fundos e cenários ricos, às vezes fantasiosos, que não raro desviam a atenção do observador do centro do quadro. Uma curiosidade: a gêmea Léa é mãe do artista plástico Tunga, bem reconhecido no Brasil.

Guignard - 'Léa e Maura' ou 'As Gêmeas' (c.1940) - óleo s/ tela - Acervo Museu Nacional de Belas Artes - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Retrato de Lúcia Machado de Almeida' (1959) - óleo s/ madeira
Acervo Museu Casa Guignard - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Retrato' (1958) - óleo s/ tela - Acervo Pinacoteca do Estado - Foto: Simone Catto

Retratos de fuzileiros navais foram recorrentes na obra do artista entre as décadas de 1930 e 1950 e possuem algo em comum: os homens são todos negros e mostrados com suas famílias.

Guignard - 'A Família do Fuzileiro Naval' (c.1937) - Foto: Instituto Cultural Itaú

Guignard também retratou pessoas de sua família, amigos, filhos de amigos, intelectuais e artistas. Assim como nas outras obras, seus retratos apresentam elementos fortemente decorativos, como arabescos, estampas e outros motivos. É o caso da obra 'Os Noivos', de 1937.

Guignard - 'Os Noivos' (1937) - óleo s/ madeira - Museus Castro Maya - Foto: Simone Catto

Em muitos dos inúmeros autorretratos que pintou ao longo de décadas, o artista faz menção a seu defeito congênito, o lábio leporino, que também está presente em uma representação de Cristo que deve ter sido considerada um sacrilégio para muitos. O 'Autorretrato' (1919), feito por Guignard aos 23 anos, quando ainda estudava na Alemanha, é um desenho realista a carvão sobre papel em que o artista, de cabeça inclinada diante do espelho, esboça um sorriso com seu lábio defeituoso.

Guignard - 'Autorretrato' (1919) - carvão s/ papel - Acervo MAM-RJ - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Autorretrato' (1940) - carvão s/ madeira - Museu Nacional de Belas Artes - Foto: Simone Catto

Nesses autorretratos, a figura de Guignard era quase sempre robusta e assertiva, mesmo com o defeito no lábio. No entanto, o artista era um homem essencialmente triste e esse sentimento transparece num quadro dos anos 1930 em que ele se retrata como um palhaço com dentes gigantescos à mostra. O fato é que, mesmo tendo sido reconhecido em vida, Guignard morreu sozinho, de complicações do alcoolismo, aos 66 anos de idade.

Guignard - 'Autorretrato vestido de Palhaço' - (década de 30)

Conheça aqui as paisagens e festas de Guignard e saiba mais de sua vida!

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