sexta-feira, 11 de março de 2016

Após um século longe do público, a obra-prima 'Ló e suas Filhas', de Rubens, será leiloada.

Fonte: Christie’s – 11/3/2016 | Tradução e adaptação: Simone Catto

Tão fascinante quanto admirar os detalhes de uma bela obra de arte é traçar sua trajetória histórica, descobrindo os caminhos que percorreu e as mãos pelas quais passou. E agora, uma das mais importantes pinturas de Peter Paul Rubens (1577-1640) que pertenceram a coleções particulares, Ló e suas Filhas, fará um tour por Nova York e Hong Kong antes de aportar em Londres para um leilão da Christie's.

Pintada no auge da carreira de Rubens, Ló e suas Filhas (c.1613-1614) é uma excepcional obra de arte do início da maturidade do artista e mede mais de dois metros de extensão. Após permanecer quase 400 anos em mãos privadas e mais de um século longe do público, será exibida durante a Christie's Classic Week em Nova York (de 8 a 12 de abril) e em Hong Kong (de 26 a 30 de maio), antes de ser oferecida na London Classic Week como a principal obra da sessão Velhos Mestres e Pinturas Britânicas no leilão noturno de 7 de julho.

Quando pintou Ló e suas Filhas, Rubens já era um dos artistas mais importantes e festejados de Antuérpia e estava no centro do cenário artístico da Europa. Havia trabalhado em Roma, na corte de Vincenzo I Gonzaga, duque de Mântova, e em 1609 foi nomeado pintor da corte dos arquiduques Albert e Isabella de Bruxelas. Foi durante esse período que produziu algumas de suas obras mais renomadas, incluindo duas monumentais obras sacras, A Subida da Cruz, encomendada em 1610 para a igreja de São Walburga, em Bruges, e A Descida da Cruz, pintada entre 1611 e 1614 para a Catedral de Antuérpia. Além Além dessas obras públicas, Rubens executou grande número de encomendas particulares – entre elas Ló e suas Filhas - com uma energia impressionante.

Peter Paul Rubens - 'Ló e suas Filhas' (c.1613-14) - óleo s/ tela - 190 X 225 cm.

Baseado no Velho Testamento, o tema Ló e suas Filhas explora questões de vício e virtude e era um dos favoritos dos artistas do norte da Europa desde a Renascença, incluindo Rubens.

Pulsante e cheia de vida, a tela ilustra os eventos após Ló e sua família fugirem da cidade de Sodoma, mergulhada na devassidão, e escaparem da desoladora cidade montanhosa de Zoar. Alimentadas pelo desejo de continuar sua linhagem após a destruição de Sodoma e Gomorra, suas duas filhas virgens conspiraram de embebedar e seduzir o pai numa caverna. As moças engravidam e nascem dois filhos que teriam dado origem aos povos moabitas e amonitas, que equivalem à atual Jordânia.

Uma rara oportunidade de aquisição tanto para colecionadores internacionais quanto para instituições, a tela Ló e suas Filhas goza de uma origem privilegiada: seu primeiro proprietário registrado foi o rico mercador de Antuérpia Balthazar Courtois, que morreu em 1668 e listou a pintura no inventário de suas propriedades como schouwstuck, isto é, "pintura para chaminé". Não está claro se Courtois havia encomendado a tela diretamente de Rubens, mas é quase certeza que a imagem da pintura está presente em outro quadro, uma Cena Interior (c. 1625-30) atribuída a Frans Francken II (1581-1642) e Cornelis de Vos (1584/85-1651). Não é raro, na história da arte, esses casos de metalinguagem visual.

Frans Francken II e Cornelis de Vos - 'Cena Interior', também chamada de 'Salão de Rubens' (c.1625-30) - óleo s/ madeira - Museu Nacional de Estocolmo

A obra trocou de mãos em poucas ocasiões: em 1668, foi herdada pelo filho de Courtois, Jan Baptist, antes de ser passada para o rico mercador de Antuérpia Ghisbert van Colen. Em 1698, foi comprada de van Colen por um comandante militar e ávido colecionador denominado 'Governador Geral dos Países Baixos Espanhóis'. Em 1706, a pintura foi doada a John Churchill, 1º Duque de Marlborough (1650-1722), por Joseph I, Sacro Imperador Romano (1678-1711), como um troféu em agradecimento às vitórias nas batalhas de Blenheim e Ramillies, na Guerra da Sucessão Espanhola.

A partir de 1740, Ló e suas Filhas foi exposta na maior residência campestre da Inglaterra do início do século XVIII, o palácio Blenheim, complementando a vasta coleção do Duque de Marlborough, que incluía pelo menos dez outras pinturas de Rubens. Exibida inicialmente no Grande Salão, foi pendurada na biblioteca em 1766 e na Sala de Jantar em 1810, onde foi posicionada junto da pintura Vênus e Adonis, também de Rubens.

Por volta de 1710-20, em Blenheim, a tela ganhou a bela moldura que ainda a sustenta, adicionada para compor a mobília do palácio assinada por James Moore. A obra permaneceu na coleção Marlborough por pelo menos um século, até ser adquirida pelo empresário, filantropo e colecionador Barão Maurice de Hirsch de Gereuth (1831-1896), que a legou a seus descendentes. Vamos torcer para que a obra-prima seja arrematada por um museu, para que todos possam apreciá-la!

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