quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Paisagens de espírito, reflexos da alma: o impressionismo germânico e o simbolismo

Quando falamos em pintura impressionista, é inevitável: pensamos de imediato nos franceses, já que é na França que esse movimento artístico teve origem oficialmente, em 1874. Só que o Impressionismo correu mundo. Impactou de tal forma a arte no Ocidente, que vários outros países da Europa sofreram sua influência e também viram nascer grandes artistas adeptos da pintura ao ar livre, das pinceladas soltas e, principalmente, da captura dos estados fugidios da luz e da natureza.

Os países germânicos não ficaram de fora, e descobri, em uma visita ao Museu Belvedere, em Viena, maravilhosas paisagens de pintores austríacos e alemães com a técnica impressionista. Diferentemente dos impressionistas franceses, em vez de captar os contrastes de luz e sombra na natureza, muitos dos germânicos optaram por criar obras mais intimistas, preferindo capturar e reproduzir atmosferas sugestivas de estados de espírito. Não por acaso, alguns desses artistas também se alinharam à Secessão de Viena, escola que deu origem ao art nouveau austríaco, e criaram belas obras de caráter simbolista, etéreas e misteriosas em suas temáticas. Vamos conhecer algumas!

Importante: a descrição ao lado de cada obra do Belvedere não fornecia suas dimensões, motivo pelo qual algumas das legendas das obras a seguir não possuem essa informação. As obras que a possuem constam no catálogo do museu.

O vienense Emil Jakob Schindler (1842-92) criou paisagens com uma luz misteriosa e a atmosfera que precede as tempestades, remetendo, inevitavelmente, às melancólicas paisagens do romântico alemão Caspar David Friedrich (1774-1840).

Emil Jakob Schindler - 'Atmosfera de fevereiro (Véspera de primavera nos bosques de Viena)'
1884 - óleo s/ linho - 120 X 96 cm - foto: catálogo do Palácio Belvedere 

A pintura abaixo, também de Schindler, é neoclássica no tema, mas não na técnica. Compare com outra tela que também está no Belvedere, uma pintura neoclássica de um pintor eslovaco do século XVIII que nasceu em Bratislava e faleceu em Viena muito jovem, com apenas 30 anos: Carl Philipp Schallhas (1766-96).

Emil J. Schindler - 'Paz' (1891) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Carl Philipp Schallhas - 'Paisagem Árcade' (1796) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto 

Schindler era amigo de outro pintor austríaco que, após criar obras no estilo impressionista no início da carreira, aderiu posteriormente à Secessão de Viena ao lado de Gustav Klimt, produzindo pinturas de forte caráter simbolista. Seu nome era Carl Moll (1861-1945). Note essa polaridade de estilos nas duas pinturas a seguir. Nem parece que foram criadas pelo mesmo artista!

Carl Moll - 'O Naschmarket em Viena' (1894) - óleo s/ linho - 86 X 119 cm - foto: Simone Catto

Carl Moll - 'Crepúsculo' (1900) - óleo s/ linho - 80 X 84,5 cm - foto: catálogo do Palácio Belvedere

A seguir, temos obras de duas pintoras impressionistas vienenses de talento excepcional: Tina Blau-Lang (1845-1916), que criou paisagens encantadoras, e sua contemporânea Olga Wisinger-Florian (1844-1926), que lhe sobreviveu dez anos. Tina era mais contida nos pincéis. Já Olga usava um cromatismo mais exuberante para retratar trilhas nos bosques, campos floridos e outras paisagens do tipo que, pelo menos para mim, dão vontade de entrar dentro do quadro.

Tina Blau-Lang - 'Primavera no Prater' (1882) - óleo s/ linho - 214 X 291 cm - foto: catálogo do Palácio Belvedere

Olga Wisinger-Florian - 'Papoulas em flor' (1895-1900) - óleo s/ cartão - 70 X 98 cm - foto: catálogo do Palácio Belvedere

A pintura abaixo, do impressionista austríaco Theodor com Hörmann (1840-95), possui grande vivacidade, apesar das dimensões reduzidas.

Theodor von Hörmann - 'Campo de sanfenos perto de Znaim' (1893) - óleo s/ linho s/ madeira - 22 X 48 cm
Foto: catálogo do Palácio Belvedere

A obra a seguir, do pintor impressionista alemão Max Liebermann (1847-1935), não possui a exuberância paisagística dos colegas austríacos, mas é uma cena aprazível de singela beleza.

Max Liebermann - 'Os jardins do hospital em Edam' (1904) - óleo s/ linho - 70,5 X 88,5 cm
Foto: catálogo do Palácio Belvedere

Abaixo temos um encantador exemplo do impressionismo alemão numa obra de Fritz von Uhde (1848-1911). Vale ressaltar que, embora a técnica seja impressionista, não se trata de uma pintura ao ar livre, conforme era usual no movimento, mas da representação de um ambiente interno. Uhde retratou as filhas numa varanda com a interessante perspectiva de quem observa a cena a partir de outro cômodo da casa. É como se portas fossem se abrindo à sua frente e seus olhos fossem sendo guiados pelos ambientes em direção a um ponto de fuga até se deterem nos rostos das moças. Essa pintura chamou minha atenção de imediato, no museu, tanto por suas cores vívidas quanto pelo cálido flagrante da intimidade e do clima de aconchego do interior da casa. Imagino que se trate da residência do próprio artista.

Fritz von Uhde - 'As filhas do artista na varanda' (1901) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Os artistas simbolistas rebelaram-se contra a representação pura e simples da realidade na arte e priorizaram seus sentimentos e instintos, contrapondo as forças antagônicas de eros e tânatos, ou seja, as pulsões de vida e morte. Esses artistas simplificaram cores, traços e planos, produzindo pinturas de aspecto mais chapado e de atmosfera mais onírica. O principal representante do simbolismo vienense é Gustav Klimt, que mereceu uma matéria à parte neste blog (veja aqui).

O pintor e gravador Max Kurzweil (1867-1916) ajudou a fundar, entre outros artistas e arquitetos, a Secessão de Viena ao lado de Klimt. Ele criou uma série de retratos, dentre os quais o de Therese Bloch-Bauer, judia da alta sociedade vienense que era irmã de Adele Bloch-Bauer, uma das grandes musas de Klimt. Therese era também mãe de Maria Altman, a qual posteriormente processou o governo austríaco para reaver o mais famoso retrato de sua tia Adele criado por Klimt, como reparação à espoliação que sua família havia sofrido pelos nazistas durante a Segunda Guerra. Veja a história aqui.

Max Kurzweil - 'Retrato de Therese Bloch-Bauer' (c.1907) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

O belga Fernand Edmond Jean Marie Knopff (1858-1921) e o alemão Max Klinger (1857-1920) eram legítimos representantes da escola simbolista, como atestam as obras a seguir, também em exibição no Belvedere.

Fernand Knopff - 'Águas calmas - o lago de Menil' (1894) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Fernando Knopff - 'Meia-figura de ninfa (Vivien)' (1896)
gesso pintado em base de madeira dourada - altura: 99 cm
Foto: Simone Catto

Max Klinger - 'O julgamento de Paris' (1885-87) - óleo s/ tela com moldura de madeira e gesso - foto: Simone Catto

O vienense Hans Makart (1840-84), que fez grande sucesso à sua época, não era impressionista e nem simbolista: era um pintor de cenas históricas e mitológicas e criador de belas obras de arte decorativa, tendo influenciado o trabalho de Gustav Klimt e de vários outros artistas do art nouveau, notadamente nas representações de sensuais mulheres e ninfas da mitologia, tão celebradas na arte fin-de-siècle. Os painéis a seguir ocupam uma parede inteira de um salão do Palácio Belvedere.

Hans Makart - 'Os cinco sentidos: visão, audição, tato, paladar, olfato' (1872-79) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

O fato é que tanto o impressionismo quanto o simbolismo produzidos fora da França nos deixaram obras de grande beleza que merecem ser admiradas pessoalmente. Não deixe de visitar o Palácio Belvedere se você for a Viena!

PALÁCIO BELVEDERE - Eugen-Straße 27, 1030 Viena. Consulte tarifas em https://www.belvedere.at. Abre de segunda a quinta das 9h às 18h, e sextas das 9h às 21h.

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